ANEEL aplica multa pelo descumprimento do cronograma de implantação de central geradora destinada ao mercado livre

Na 6ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria Colegiada da ANEEL (05/03) foi negado provimento a Recurso Administrativo interposto por Complexo de Geração Fotovoltaica, com a manutenção da aplicação de penalidade de multa pelo descumprimento do cronograma de implantação do empreendimento, cuja energia era integralmente destinada ao mercado livre.

O Caso

Em 05/09/2022, foram emitidos Autos de Infração para aplicação de penalidades por descumprimento do cronograma de implantação de Complexo de Geração Fotovoltaica comprometido com o Ambiente de Contratação Livre – ACL, com amparo no art. 12 da Resolução Normativa nº 846/2019, norma que trata dos parâmetros e critérios para a imposição de penalidades aos agentes do setor elétrico. 

Em breve síntese dos fatos, o Complexo Fotovoltaico foi outorgado em 09/04/2019, com prazo de implantação de 36 (trinta e seis) meses. Entretanto, em processo fiscalizatório, foi identificado que o cronograma já estava atrasado em aproximadamente 06 (seis) meses. 

Na oportunidade, o atraso foi justificado pelo empreendedor através de dificuldades logísticas advindas, em parte, dos impactos decorrentes da pandemia do COVID-19, além de furtos de equipamentos experienciados na localidade das obras, tendo as alegações sido objeto de pedido de reconhecimento de excludente de responsabilidade e de alteração do cronograma de implantação do Complexo de Geração Fotovoltaica. 

Após a emissão dos Autos de Infração, os agentes apresentaram Recurso Administrativo, argumentando que, com a publicação da Resolução Normativa nº 1.038/2022, houve uma modificação no prazo de implantação de projetos de geração, que foi estendido para 54 meses. Portanto, os agentes sustentaram que as disposições da norma mais benéfica ao administrado deveriam ser aplicadas retroativamente nos casos de aplicação de sanções administrativas.

Apesar da Resolução Normativa nº 1.038/2022 explicitamente estabelecer que a extensão do prazo de implementação dos empreendimentos não se aplica aos projetos que já tenham assinado o CUST, os responsáveis argumentaram que essa restrição somente foi estabelecida para evitar impactos no pagamento dos encargos de conexão. 

No entanto, no presente caso, uma vez que não foi solicitada a prorrogação do CUST, os encargos seriam integralmente pagos durante o período de atraso. Em outras palavras, os recorrentes afirmaram que a restrição não deveria ser aplicada neste caso específico, uma vez que a celebração do CUST não implicou em custos para terceiros.

Diante disso, o empreendedor pleiteou: (i) o arquivamento do Auto de Infração, com a anulação da penalidade; (ii) a demonstração de que a ANEEL passou a adotar o prazo de 54 meses para a implantação de projetos de geração, e que os responsáveis estavam em conformidade com esta nova referência; e (iii) a comprovação da ocorrência de eventos fora do controle das responsáveis, que configuram uma exclusão de responsabilidade e justificam o atraso identificado. Alternativamente, o empreendedor requeria a conversão da penalidade de multa em advertência. 

O Parecer nº 00310/2023/PFANEEL/PGF/AGU

Após consulta à Procuradoria Federal sobre a possibilidade de aplicação retroativa das disposições da Resolução Normativa nº 1.038/2022, foi emitido o parecer em referência indicando a impossibilidade em questão. Isso se deve à previsão expressa do §7º do art. 5º do regulamento, que estabelece a inaplicabilidade das disposições referentes ao prazo de implementação de 54 meses para os empreendimentos que já tenham assinado o CUST, o que ocorreu no caso do Complexo Fotovoltaico. 

O julgamento pela Diretoria da ANEEL

O processo foi distribuído ao Diretor-Relator Fernando Mosna e incluído na pauta de julgamento da 2ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria Colegiada da ANEEL (30/01). 

É importante destacar que o pedido de reconhecimento de excludente de responsabilidade foi tratado em processo administrativo apartado, relacionado à gestão das outorgas de autorização, inclusive tendo sido o pleito indeferido pela Diretoria Colegiado da ANEEL. 

Sendo assim, o julgamento em relação à revisão dos Autos de Infração foi tratado no processo de fiscalização e aplicação de penalidades pelo descumprimento das outorgas de autorização, sendo o mérito do recurso administrativo enfrentado pela Diretoria Colegiada da ANEEL após a finalização do julgamento do pleito que requeria o reconhecimento das excludentes de responsabilidade. 

No Voto-Relator, foi destacada a impossibilidade de aplicação da extensão do prazo de 54 meses da outorga para fins de não aplicação de penalidades administrativas, em face da não contemplação do projeto pela REN 1.038/22. 

Além disso, considerou-se inviável converter a multa em advertência, uma vez que o não cumprimento do prazo de implantação das usinas não pode ser considerado de baixa ofensividade, com amparo na Nota Técnica nº 10/2022-SFG/ANEEL, que estabeleceu que a aplicação de uma advertência seria possível apenas em casos de atraso inferior a 60 dias.

Após discussões em mesa, o Diretor Hélvio Neves Guerra solicitou vistas ao processo, para analisá-lo com mais detalhes. Posteriormente, o processo foi novamente pautado para julgamento na 6ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria Colegiada da ANEEL (05/03).

No Voto-Vista apresentado, o Diretor Hélvio Neves Guerra ressaltou que os atrasos na implementação das centrais geradoras afetam o planejamento energético e impactam o interesse público de forma significativa, independentemente de as partes envolvidas não terem comercializado energia no mercado regulado ou de não terem solicitado uma extensão do prazo de início de vigência do CUST. 

Na ocasião, argumentou que o descumprimento dos cronogramas não deve ser visto apenas sob a ótica comercial da energia não entregue, mas também sob a perspectiva do impacto no planejamento e na estabilidade do sistema energético como um todo.

Veja-se trecho do Voto-Vista: 

“14. Ainda sobre essa justificativa, mesmo que inexistam danos diretos, destaco que o descumprimento do cronograma afeta negativamente  o interesse público. Isso porque os efeitos do atraso não se resumem à questão comercial da energia não entregue. O compromisso firmado  no cronograma estabelecido pela central geradora, sacramentado no ato de outorga, é utilizado como referência para o planejamento energético, influenciando decisões de estratégias para assegurar o suprimento futuro. A quebra desse compromisso por responsabilidade do agente expõe o planejamento a dimensionamentos e projeções inadequadas, impactando na segurança energética do país. 

15. Adicionalmente, os preços futuros de energia negociados no mercado levam em conta as projeções de demanda e de oferta de eletricidade. Falhas nessas projeções, ocasionadas por responsabilidade das centrais geradoras, podem afetar todos os agentes. 

16. Portanto, os cronogramas estabelecidos nos atos de outorga têm o condão de orientar ações futuras do setor elétrico, as quais, se frustradas em larga escala, poderiam comprometer a segurança operativa e energética, além de pôr em risco projeções de preço de longo prazo. Por esta razão, não se pode relativizar a importância do cronograma do ato de outorga e diminuir os incentivos para seu fiel  cumprimento pelas centrais geradoras.”

Dessa forma, o Voto-Vista emitido pelo Diretor Hélvio Neves Guerra alinhou-se com os argumentos apresentados pelo Diretor-Relator Fernando Mosna, resultando no indeferimento do Recurso Administrativo interposto pelo empreendedor. Consequentemente, a penalidade de multa estabelecida nos Autos de Infração foi mantida.

Considerações sobre o tema

O julgamento do tema pela ANEEL é importante por dois principais aspectos:

  1. A ANEEL procedeu com a abertura de processos fiscalizatórios no bojo dos quais estão sendo aplicadas penalidades pelo descumprimento do cronograma de implantação de empreendimentos que não foram abarcados pelos mecanismos das Resoluções Normativas nº 1.038/2022 e nº 1.071/2023.

    Nesse ponto, é preciso observar que a ANEEL sedimentou o entendimento de que as penalidades são aplicáveis ainda que o empreendedor  não tenha (i) comercializado energia no ambiente regulado e/ou (ii) solicitado a postergação do início de vigência do CUST. 

    Isso porque, nos termos do Voto-Vista proferido no âmbito do processo em referência, o descumprimento do cronogramas de implantação afeta o interesse público, na medida em que comprometem a segurança do sistema eletroenergético.

    Dessa forma, esses termos devem ser observados pelos empreendimentos de geração outorgados que experienciaram atrasos na  implantação. 
  2.  Até o momento, não foram registradas penalidades pelo não cumprimento dos marcos intermediários das usinas contempladas pelo prazo  de implantação de 54 meses, nos termos do art. 9ª da REN 1.038/2022. 

                                                                                                                                                     ****

Nota ao leitor: O presente estudo de caso foi baseado nos processos administrativos nº 48500.007270/2022-51, 48500.007271/2022-03, 48500.007268/2022-81, com destaque para o Parecer nº 00310/2023/PFANEEL/PGF/AGU subscrito pela Procuradoria Federal junto à ANEEL, e para os votos proferidos na 2ª e 6ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria Colegiada da ANEEL, que culminou no Despacho nº 683/2024. Além disso, com o intuito de focar na técnica decisória da Agência Reguladora, foram intencionalmente omitidos os nomes dos agentes relacionados ao pleito administrativo.

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