Após três anos, ANEEL homologa o primeiro Leilão de Reserva de Capacidade realizado em 2021

Contexto Regulatório

Em 21/12/2021, foi realizado o primeiro Leilão de Reserva de Capacidade (“LRCAP/2021”), com o objetivo de garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica, atendendo à necessidade de potência requerida pelo Sistema Interligado Nacional – SIN, por meio da contratação de fontes de geração despacháveis.

Para esse fim, os empreendimentos contratados deveriam apresentar características de flexibilidade operacional, permitindo atender integralmente aos despachos estabelecidos na programação diária definida pelo Operador Nacional do Sistema – ONS.

No contexto do leilão, ficou estabelecido que os contratos celebrados teriam vigência de 15 anos, com início do suprimento em 1º de julho de 2026 para os Contratos de Reserva de Capacidade para Potência – CRCAPs e em 1º de janeiro de 2027 para os Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado – CCEARs e Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Livre – CCEALs.

Dentre os critérios estabelecidos na Portaria Normativa MME nº 20/2021, que fixou as diretrizes para realização do LRCAP/2021, constava que empreendimentos termelétricos cujo Custo Variável Unitário – CVU fosse superior a R$ 600,00/MWh não seriam habilitados tecnicamente pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, de modo que os empreendimentos que ultrapassaram esse limite foram automaticamente desclassificados do certame.

Para melhor compreensão, o CVU corresponde ao custo associado à produção de uma unidade de energia elétrica – ou seja, o custo necessário para gerar uma quantidade específica de energia. A metodologia para o cálculo do CVU está prevista na Portaria MME nº 46/2007, cuja fórmula está expressa a seguir:

CVU = Ccomb + CO&M

Onde: 

Ccomb = Custo do Combustível, expresso em R$/MWh; e

CO&M = demais custos variáveis incorridos na geração flexível, parcela esta informada pelo empreendedor à EPE no momento do requerimento do Cadastramento e da Habilitação Técnica, expressa em R$/MWh, correspondente ao mês anterior ao da Portaria que irá definir o início do Cadastramento. 

Ou seja, em síntese, o CVU reflete o custo necessário para a geração de energia elétrica por um empreendimento despachável, considerando variáveis como combustível, manutenção e outras despesas operacionais.

Dada a limitação do CVU como requisito para participação no certame, quatro agentes cujos empreendimentos possuíam CVU superior a R$ 600,00/MWh impetraram mandados de segurança, requerendo tutela de urgência para manter suas habilitações no certame, afastando a limitação estabelecida pela Portaria Normativa MME nº 20/2021. No mérito, pleitearam a habilitação definitiva.

A judicialização do caso

As ações foram impetradas sob o argumento de que a limitação do CVU foi definida em desconformidade com o art. 4º, parágrafo único, do Decreto nº 10.707/2021, que exige a realização de consulta pública para debater critérios de realização da licitação para contratação de reserva de capacidade. Alegaram que, embora tenha havido um debate público genérico sobre o CVU, o valor específico de R$ 600,00/MWh não foi objeto de discussão específica. 

Além disso, sustentaram que critérios como modicidade tarifária e competitividade técnica não seriam atingidos pela exclusão de empreendimentos com CVU elevado, já que o preço final ao consumidor, e não um elemento isolado, deveria ser considerado.

Do ponto de vista ambiental, alegaram que o CVU não guarda relação direta com o impacto ambiental do empreendimento, citando, por exemplo, que usinas a carvão, embora mais poluentes, apresentam CVUs baixos.

Liminares foram inicialmente concedidas pelo Ministro-Relator do Superior Tribunal de Justiça – STJ, sob o fundamento de que não houve debate prévio sobre a exigência da Portaria Normativa MME nº 20/2021, além de reconhecer que privar os empreendimentos da participação no certame ocasionaria em danos irreversíveis ou de difícil reparação ao interesse público.

Por esta razão, os empreendimentos dos agentes obtiveram a prévia habilitação técnica da Empresa de Pesquisa Energética – EPE e, consequentemente, puderam participar do certame. Nesse sentido, foram habilitadas, através do Despacho nº 698/2022. 

Em sede de recurso, a União argumentou que o Ministério de Minas e Energia – MME possui competência para estabelecer políticas energéticas que promovam a proteção ambiental e incentivem energias limpas. Justificou ainda que a fixação do CVU é essencial para assegurar tarifas justas aos consumidores, que CVUs elevados representariam maior custo para a coletividade, em prejuízo ao interesse público e ao planejamento setorial, e que a exclusão de empreendimentos com CVU acima do limite segue diretrizes de competitividade observadas em leilões anteriores. 

Posteriormente, por decisão do próprio STJ, contudo, as seguranças foram denegadas e as liminares concedidas foram revogadas sob os seguintes fundamentos: (i) não haveria nulidade pela ausência de debate público, considerando que a Consulta Pública nº 108/2021 abordou os elementos norteadores da limitação do CVU; e (ii) não seria possível, em sede de cognição sumária, concluir que a limitação do CVU não teria impacto no meio ambiente ou na tarifa de energia, sendo necessária a produção de provas para um exame mais aprofundado.

Neste momento, a habilitação prévia dos empreendimentos antes proferidas, por força de decisões liminares, foram invalidadas. Durante esse período, a ANEEL chegou a dar prosseguimento ao certame com a convocação e habilitação de outros empreendimentos classificados após a inabilitação dos proponentes. 

Os processos foram submetidos à análise do Supremo Tribunal Federal – STF, onde as partes robusteceram seus argumentos.

Por parte das empresas impetrantes, argumentou-se que não há comprovação de relação entre o CVU e os danos ao meio ambiente. Alegaram ainda que, no âmbito da Consulta Pública nº 108/2021, não houve oportunidade para debater a limitação imposta, uma vez que esta ainda não havia sido definida à época.

Por outro lado, a União defendeu a competência do MME para regulamentar o CVU, apontando que as empresas tinham ciência da possibilidade de fixação do limite. Além disso, alegou que a limitação do CVU beneficia os consumidores ao evitar tarifas excessivas e que o teto do CVU não prejudica a competitividade, destacando que os resultados de leilões recentes confirmam a eficácia da medida. 

O efeito suspensivo aos recursos interpostos no STF foi deferido, de modo que o processo de instrução do Leilão de Reserva de Capacidade de 2021 ficou suspenso até que se alcançasse uma decisão judicial definitiva, com o intuito de assegurar que as proponentes afetadas pela limitação do CVU tivessem sua participação garantida no certame, caso a decisão final lhes fosse favorável.

Sendo assim, no âmbito do STF, as seguranças pleiteadas foram concedidas, determinando a permanência das requerentes no LRCAP 2021, desde que o único critério para sua inabilitação tenha sido o CVU superior a R$ 600,00/MWh.

Dentre os argumentos acolhidos pela Suprema Corte, destacam-se os seguintes: (i) a fixação do limite de R$ 600,00/MWh para o CVU de empreendimentos termelétricos não foi precedida de debate público específico, conforme exigido pelo art. 4º, parágrafo único, do Decreto nº 10.707/2021; (ii) a imposição do teto ao CVU, sem prévio debate adequado, poderia inviabilizar a participação de empreendimentos técnica e comercialmente competitivos, prejudicando a seleção da melhor proposta para a Administração Pública, em violação aos objetivos previstos no art. 3º, §1º, I, c/c o art. 24, XXII, da Lei nº 8.666/1993; (iii) a modicidade tarifária deve ser avaliada com base no preço final oferecido ao consumidor e não apenas em um elemento isolado da composição de custos, como o CVU; e (iv) não foi demonstrada uma relação direta entre o limite do CVU e os impactos ambientais.

O desfecho 

Por meio da Nota Técnica nº 16/2024-CEL/ANEEL/2024, os empreendimentos foram considerados habilitados, uma vez que apresentaram todos os documentos em conformidade com os requisitos estipulados no Edital, posto que o único critério para sua inabilitação anterior havia sido o CVU superior a R$ 600,00/MWh, situação já superada após os desdobramentos judiciais. 

Na 42ª Reunião Pública Ordinária, portanto, a Diretoria Colegiada da ANEEL deliberou pelo voto no sentido de homologar e adjudicar o resultado do LRCAP/2021, consagrando como vencedores os seguintes empreendimentos:

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