Em 13 de julho de 2023 foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução Normativa nº 1.065/2023, que fixou o mecanismo de tratamento excepcional da gestão de outorgas de geração e dos CUSTs celebrados por centrais geradoras.
Antes de adentrar nas regras trazidas pela Resolução Normativa nº 1.065/2023, o presente artigo tem por finalidade contextualizar os fatos que desencadearam a aprovação do regime excepcional de gestão das outorgas, os quais estão intimamente relacionados com a “corrida do ouro”, convencionada como sendo a corrida dos agentes de geração pela manutenção do desconto na TUSD/TUST.
Em releitura do histórico normativo que marcou a corrida do ouro, é preciso ver que o mecanismo excepcional foi ancorado em duas principais insatisfações dos agentes de geração.
Primeiramente, a alteração do entendimento da Diretoria da ANEEL no início de 2022, em relação ao julgamento dos pleitos de alteração dos cronogramas de implantação dos empreendimentos no ACL, que passaram a ser deferidos somente mediante a comprovação de causa excludente de responsabilidade.
Isso porque antes das alterações na Lei no 9.427/96, que estabeleceram as regras de transição para o fim do desconto na TUSD/TUST e instauraram a “corrida pelo ouro”, a alteração do cronograma de centrais geradoras outorgadas para operacionalização no Ambiente de Contratação Livre (ACL) consistia em risco empresarial do empreendedor, de tal forma que não existindo concorrência pelo ponto de conexão e/ou por margem de escoamento, inexistia igualmente prejuízo ao interesse público no deferimento desses pleitos dessa natureza.
O problema é que sem a alteração do cronograma, não seria possível, via de regra, o adiamento do início da vigência do CUST. As atuais Regras de Transmissão só permitem excepcionalmente esse adiamento do CUST para projetos que efetuarem a solicitação ao ONS até 31 de março e não tenham seus MUSTs faturados dentro do ciclo tarifário vigente.
No sentido de uma espécie de modulação dos efeitos dessa alteração de posicionamento, foi editada a Resolução Normativa nº 1.038/2022, em que foi estabelecido que a partir de 1º de setembro de 2022 (data em que entrou em vigor a REN 1.038/22), as outorgas de autorização dos empreendimentos que visam fruir do desconto na TUSD/TUST passariam a ter o prazo limite de 54 (cinquenta e quatro) meses para a entrada em operação de todas as unidades geradoras da usina, prazo que será contado da data de publicação da outorga.
No entanto, considerando que a extensão do prazo para a implantação dos empreendimentos não aproveitava projetos com CUST celebrado, foi instaurada uma segunda celeuma no setor.
O sentimento à época foi de quebra de isonomia, pois os projetos com CUST celebrado e que não iriam atender aos cronogramas publicados em suas outorgas ficariam sujeitos ao pagamento do EUST, às ações de fiscalização e à aplicação de penalidades pelos atrasos nas obras. Alguns projetos inclusive estariam sujeitos à execução da garantia de fiel cumprimento.
Assim, o regime convencionado como o “dia do perdão” vem com a tônica de não só limpar a fila de acesso, retirando projetos que ocuparam a margem de escoamento e não possuem viabilidade de implantação, mas também com o objetivo de possibilitar a regularização dos cronogramas, através do estabelecimento de prazo de implantação, à semelhança do que foi feito com a REN 1.038/22. Nessa segunda hipótese, no entanto, a regularização seria somente para fins de expurgar penalidades pelos atrasos nas obras.
Assim, o ponto que pode ser lido com certa controvérsia é justamente o pagamento dos valores de EUST, dado que a Diretoria da ANEEL teve uma posição bastante firme com a questão.
Possibilitar a regularização dos cronogramas, condicionada ao pagamento dos EUSTs, ainda que de forma parcelada, e ao aporte de garantia de fiança bancária no valor de 40 EUST devolverá o problema econômico-financeiro do tema para os empreendedores. Alguns conseguirão arcar com os custos financeiros da medida, outros não. Para os que não, ficará a possibilidade de devolução das outorgas.
Além disso, um dos pontos mais relevantes em relação à votação da Resolução Normativa nº 1.065/2023 foi o escalonamento da alocação da margem que será liberada em sede da devolução das outorgas.
De acordo com o regime extraordinário, será dada a preferência, por ordem cronológica de solicitação ao ONS, aos projetos cujos pareceres de acesso foram negados (sem viabilidade sistêmica), os projetos com pareceres condicionados a obras de transmissão e os projetos com CUST celebrados com viabilidade parcial de injeção. Inclusive, com o saneamento da questão, se exauriu a necessidade de instauração de uma segunda fase da Consulta Pública, que havia sido bastante cotada no processo decisório em torno da Resolução.
Em sumarização do regramento normativo da Resolução Normativa nº 1.065/2023, foram extraídos os seguintes pontos:
Resolução Normativa nº 1.065/2023
Mecanismo Regulatório Excepcional de “anistia”
O mecanismo regulatório de devolução das outorgas de geração será excepcional e, a princípio, irrepetível, cujo objetivo será a revogação das outorgas de geração e a rescisão de CUST celebrados, com a devolução de garantias de fiel cumprimento e a isenção de multas e/ou penalidades regulatórias por ações fiscalizatórias em andamento.
Requisitos para a adesão ao mecanismo:
1.A intenção de adesão ao mecanismo deverá ser formalizada através do encaminhamento ao ONS até 28 de julho de 2023 do Termo de Declaração e Outras Avenças, que será firmado em caráter irrevogável e irretratável;
2.Notificação à Transmissora, com reconhecimento dos pagamentos das medições dos Contratos de Conexão à Transmissão – CCTs, sendo certo que os agentes estarão dispensados do prazo de comunicação de rescisão do CCT com a antecedência de 12 (doze) meses;
3.Pagamento das parcelas do Encargo de Uso do Sistema de Transmissão –EUST vencidos;
4.Renúncia aos processos judiciais em curso, com exclusão da necessidade de pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais entre as Partes;
5.Celebração do Termo de Declaração e Outras Avenças.
Como vai funcionar o mecanismo de apuração de encargos devidos:
O ONS irá suspender a apuração dos encargos dos CUSTs a partir de agosto/2023 e deverá apurar os encargos dos CUSTs referentes ao mês de julho/2023 e anteriores, inclusive aqueles suspensos por decisão judicial.
Até 14 de setembro de 2023 o ONS deverá enviar à ANEEL a lista das centrais geradoras que estão adimplentes com o pagamento dos encargos, as quais terão suas outorgas revogadas e seus CUSTs rescindidos.
As centrais geradoras inadimplentes não serão homologadas no mecanismo de anistia e os encargos suspensos a partir de agosto/2023 voltarão a ser integralmente cobrados.
Vedações à participação no mecanismo:
1.Outorgas de Geração sem CUST celebrado: O tema seria objeto de processo administrativo específico, no âmbito de revisão da Resolução Normativa nº 876/2020, não cabendo a inclusão no mecanismo excepcional;
2.Outorgas de Geração com CUSD celebrado: A matriz de riscos regulatórios e/ou de gerenciamento de inadimplência seria diferente para os acessantes da rede básica e da rede de distribuição, de tal forma que a negociação e/ou rescisão do CUSD seria mais factível e onerosa, não cabendo a inclusão no mecanismo excepcional.
Tratamento conferido às centrais geradoras com contratos no ACR:
Às centrais geradoras comprometidas com CCEAR, seriam aplicáveis os dispositivos do MCSD previstos no art. 105 da REN 1.009/2022.
O MCSD será operado da seguinte forma: 1) a distribuidora poderá declarar as sobras e déficits de forma voluntária; 2) em havendo sobras, as geradoras cujos CCEARs iniciam em 2025 poderão efetuar a descontratação integral e em caráter permanente; 3) no entanto, caso as sobras sejam parciais, não será possível efetuar a redução parcial do CCEAR; 4) inicialmente, terão preferência os geradores com CCEARs a serem iniciados em 2025, sendo oportunizados aos demais geradores, na sequência; 5) a descontratação integral dos CCEARs deve ser acompanhada do pagamento de indenização no valor de 01 (um) ano de receita do empreendimento, com reversão dos valores para a modicidade tarifária.
Mecanismo Excepcional de Regularização das outorgas de geração
Regularização das outorgas com CUST em execução atual:
-A quem se destina o mecanismo: centrais geradoras que possuem CUST celebrado e em execução, cujos cronogramas estejam atrasados e não haja excludente de responsabilidade apto a embasar a recomposição dos prazos de obras
-A intenção de adesão ao mecanismo deverá ser formalizada através do encaminhamento ao ONS até 28 de julho de 2023 do Termo de Declaração e Outras Avenças
-Aporte de garantia financeira equivalente a 40 meses de EUST, exclusivamente através de fiança bancária até 1º de setembro de 2023
-Os valores de EUST que estavam suspensos por decisão judicial poderão ter seu pagamento diferido por até 36 meses (ou até a entrada em operação comercial do empreendimento) e, após esse marco, o pagamento poderá ser parcelado pelo prazo de até 12 (doze) meses, limitado ao ciclo tarifário vigente à época do início da cobrança
-Em relação a EUST vincendos, devem ser normalmente pagos pelos agentes geradores
-O prazo de implantação dos empreendimentos passa a ser estendido em 36 (trinta e seis) meses, contados da publicação da resolução normativa
-O mecanismo não importará em reconhecimento de excludente de responsabilidade quanto ao prazo de implantação do empreendimento em 48 meses, contados da emissão da outorga, para fins de fruição do desconto na TUSD/TUST (conforme art. 26 da Lei nº 9.427/96)
-Não poderá haver a postergação do CUST em execução
Regularização das outorgas com CUST com execução futura:
-A quem se destina o mecanismo: centrais geradoras que possuem CUST celebrado, cujo início de faturamento ainda é futuro e cujas obras serão atrasadas em relação ao cronograma das outorgas;
-A intenção de adesão ao mecanismo deverá ser formalizada através do encaminhamento ao ONS até 28 de julho de 2023 do Termo de Declaração e Outras Avenças
-Devem ser apresentadas as garantias financeiras até 1º de setembro de 2023
-O prazo de implantação dos empreendimentos passa a ser estendido em 36 (trinta e seis) meses, contados da publicação da resolução normativa
-Poderá haver postergação do CUST caso atendidos os critérios das Regras de Transmissão
Alocação da margem de escoamento disponibilizada em razão do Mecanismo Excepcional de devolução das outorgas de geração: Deve ser adotado o critério extraordinário de alocação da margem para o fim de possibilitar a agregação de MUST ao SIN, sendo dada a preferência, por ordem cronológica de solicitação ao ONS, aos projetos cujos pareceres de acesso foram negados (sem viabilidade sistêmica), aos projetos com pareceres condicionados a obras de transmissão ou aos projetos com CUST celebrados com viabilidade parcial de injeção.
Até o dia 15 de agosto de 2023, o ONS deve divulgar a fila de candidatos ao mecanismo extraordinário de alocação da margem.
Somente após o cumprimento dessa realocação de margem é que seria aberta a fila de acesso para as demais solicitações de acesso.