Processo de fiscalização do TCU sobre a aplicação de descontos na TUSD/TUST: Como está a questão?

Em Sessão Plenária ocorrida em 22/11/2023 o Tribunal de Contas da União (TCU) apreciou representação efetuada pela Secretaria de Fiscalização de Energia Elétrica (SeinfraElétrica), cujo objeto versou sobre a concessão de subsídios tarifários pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) relacionados ao desconto praticado nas Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição e de Transmissão – TUSD/TUST. 

Em artigo publicado em 28/11/2023 (link), elucidamos os contornos do processo fiscalizatório do TCU, em que destacamos que a Lei nº 14.120/21, ao incluir o §1º-C no art. 26 da Lei 9.427/96, previu regras de transição para o fim da percepção do desconto na TUSD/TUST. 

Para as centrais entrantes na rede elétrica, a manutenção do desconto seria concedida aos empreendimentos que solicitassem outorga até 02 de março de 2022 e que, cumulativamente, iniciassem a operação de todas as suas unidades geradoras no prazo de até 48 meses, contados da data de emissão da outorga. A regra também se aplicaria aos empreendimentos existentes, já beneficiados com o desconto, e que pretendessem aplicar a capacidade instalada de suas centrais geradoras. 

Como pode ser visto nos incisos do art. 26 da Lei 9.427/96, para o grupo das usinas fotovoltaicas, das usinas eólicas e das termelétricas movidas a biomassa ou provenientes de resíduos sólidos e urbanos, seriam elegíveis ao desconto aquelas que contassem com centrais geradoras com potência injetada de até 300 MW. 

O problema identificado estaria consubstanciado no fracionamento das centrais geradoras, cujas potências somadas ultrapassariam o limite legal de 300 MW, o que seria uma prática infracional reiterada no setor elétrico, principalmente de geradores eólicos e fotovoltaicos. 

Assim, uma vez que a regulação da Aneel não possuiria critérios objetivos para a configuração da divisão dos empreendimentos de geração em unidades de menor porte com o objetivo de fruição do desconto na TUSD/TUST, o benefício tarifário seria aferido indevidamente por esses projetos, na óptica do TCU. 

Adicionalmente, o TCU ponderou que o problema se agrava à medida que os descontos da TUSD/TUST são concedidos pela ANEEL pelo prazo da outorga, preservando o direito do agente gerador em cerca de 35 (trinta e cinco) anos, em que nesses casos de fracionamento de projetos seria um benefício indevidamente usufruído. 

Entretanto, considerando que os subsídios tarifários vinculados aos descontos na TUSD/TUST são custeados pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), por meio de política pública tarifária, o TCU entendeu pela competência de fiscalização do tema, visando obstaculizar o irregular recebimento dos subsídios pelos empreendimentos de geração nos moldes expostos. 

Decisão do TCU 

Após a devida instrução do processo fiscalizatório, por meio do Acórdão 2353/2023 o TCU determinou que a ANEEL no prazo de 180 (cento e oitenta) dias apresentasse plano de ação para o aprimoramento da regulamentação afeta à concessão de redução na TUSD/T, de forma que:

a) Apenas os empreendimentos com até 300 MW de potência injetada tenham o direito à fruição do desconto; e 

b) Haja o impedimento à fruição do desconto para empreendimentos únicos com configuração de fracionamento e/ou divisão cujo intuito seja ultrapassar o limite legal.

Em relação aos empreendimentos já autorizados e com subsídios tarifários vigentes, o Tribunal de Contas recomendou que a ANEEL considerasse em seu plano de ação os estudos de impactos da correção de irregularidades, podendo ser justificadas a manutenção dos descontos concedidos e operacionalizados, em atenção ao art. 20 da LINDB. Veja-se: 

Decreto – Lei nº 4.657/42 

Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.                    (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)     (Regulamento)

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.              (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Em relação aos empreendimentos que não foram autorizados, mas que são elegíveis à fruição dos subsídios tarifários, o Órgão de Controle determinou que a ANEEL se abstenha de conceder a fixação do desconto nas outorgas de autorização das centrais de geração, os quais somente serão previstos após o atendimento dos critérios regulatórios a serem deliberados e normatizados pela ANEEL. 

Vale destacar que houve a oposição de embargos de declaração pela ANEEL acerca dessa última deliberação do TCU, posto que houve fundada dúvida se a determinação do TCU seria pela impossibilidade de emissão das outorgas de autorização ou pela possiblidade de emissão das outorgas de autorização, muito embora sem a fixação do desconto. 

Por meio do Acórdão 129/2024, deliberado em Sessão Ordinária ocorrida em 31/02/2024, o TCU esclareceu que diante da pendência de análise de 276 (duzentos e setenta e seis) solicitações de emissão de outorgas de autorização, elegíveis à fruição do desconto na TUSD/TUST, a deliberação do Órgão de Controle foi tomada no sentido de (1) que as outorgas de autorização poderiam continuar sendo emitidas, sem desconto e (2) com a cientificação de que os empreendedores podem prosseguir com a implantação dos projetos, por sua conta e risco, sendo certo que a fixação e fruição do desconto tarifário dependerá de ulterior regulamentação pela ANEEL. 

Regulamentação da ANEEL sobre a divisão de centrais geradoras anterior à ação fiscalizatória do TCU

Feitas essas considerações, é importante notar que a regulamentação da ANEEL sobre a configuração de empreendimentos de geração sujeitos à outorga de autorização, concessão e/ou permissão era, inicialmente, concedida pela Resolução Normativa nº 876/2020. 

De acordo com o art. 18 da Resolução Normativa nº 876/2020, as centrais geradoras que compartilhassem medição elétrica para fins de contrato de conexão e de comercialização de energia, sistema de controle e de supervisão ou sistemas e serviços auxiliares seriam considerados como empreendimento único. 

Através da Resolução Normativa nº 1.071/2023, que revogou a Resolução Normativa nº 876/2020, houve ligeira modificação na redação normativa, cujo art. 13 prevê a vedação de que centrais geradoras adjacentes compartilhem sistemas de medição, de controle, se supervisão e serviços auxiliares, podendo a ANEEL, na análise do caso concreto, exigir documentos sobre os empreendimentos para esclarecimentos adicionais. 

Nesses termos, antes da ação de fiscalização do TCU, a ANEEL possuía elementos normativos objetivos pré-fixados a serem observados pelos empreendedores na modelagem técnica dos empreendimentos, de modo que se observados tais quesitos à época da solicitação das outorgas de geração, os empreendedores as obtinham com fixação do desconto na TUSD/T. 

Dessa forma, não havia maiores incursões da Agência Reguladora acerca da tentativa de divisão de empreendimentos com o objetivo de burlar os limites legais, até porque a conformação de um Complexo de Geração pode sinalizar a melhor alocação de recursos, inclusive em relação aos investimentos previstos na rede elétrica para o escoamento da energia proveniente do empreendimento. 

Com isso, três aspectos devem ser observados no plano de ação a ser desenvolvido pela Agência Reguladora: 

1) Ato Jurídico Perfeito / Direito Adquirido:  Com fundamento na regulamentação vigente à época, a respeito da fixação do desconto na TUSD/T, o ato administrativo praticado quanto à emissão da outorga de autorização do empreendimento de geração alcançou o ato jurídico perfeito, havendo direito adquirido à fruição do desconto tarifário se atendidos os quesitos estabelecidos em lei para sua ativação, de tal forma que deve ser respeitado em face de posterior alteração normativa, nos termos do art. 6º da LINDB.  

2) Modulação de efeitos da nova regulamentação: No sentido do que foi ponderado pelo TCU no Acórdão 2353/2023 acerca do art. 20 da LINDB, a ANEEL deverá parametrizar as consequências da correção de irregularidades em empreendimentos já outorgados, em implantação e/ou em operação, cujo desconto na TUSD/T está ativo. A medida de modulação dos efeitos se faz necessária com vistas a preservar a segurança jurídica e os efeitos práticos das decisões tomadas pela Agência Reguladora e que afetam a esfera jurídica dos administrados. 

3) Quesitos objetivos e subjetivos: O fato de as unidades geradoras estarem fisicamente em uma mesma localidade não implica na afetação dos empreendimentos a um mesmo destinatário, podendo ser variadas as formas de exploração das centrais geradoras. Por esse motivo, a regulamentação não deve se respaldar somente nos aspectos objetivos, do ponto de vista técnico, da configuração dos empreendimentos. 

Divisão de centrais geradoras 

Em relação à divisão das unidades geradoras dentro de um Complexo de Geração é preciso destacar que são variadas as configurações encontradas na prática, não se limitando às autorizações com 30 MW ou 50 MW de potência outorgada. 

Para esclarecer o assunto, é preciso lembrar que o art. 26 da Lei 9.427/96 que atualmente prevê a política tarifária do subsídio tarifário na TUSD/T passou por diversas atualizações legislativas. 

Dentre as alterações, destaca-se uma das previsões iniciais de que seriam elegíveis ao desconto empreendimentos de fonte solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada que possuíssem potência injetável de até 30 MW. Entretanto, através da Lei 13.360/2016, o limite de potência injetável para qualificação dos empreendimentos ao desconto na TUSD/T foi ampliado para até 300 MW. 

Nesses termos, muito embora possa ser comum encontrar outorgas de geração implementadas dentro do limite de 30 MW cada qual, tal divisão se dá, em parte, em função da evolução legislativa do tema. 

Por outro lado, as divisões em até 50 MW ocorriam, outrora, em razão da previsão contida no §5º do art. 26 da Lei 9.427/96, com redação dada pela Lei 13.360/2016. 

É que os empreendimentos com potência entre 5 MW e 50 MW estavam permitidos à comercialização de energia com consumidor ou com conjunto de consumidores reunidos por comunhão de interesses de fato ou de direito, com carga de consumo total igual ou maior a 500 kW, que configurava a modalidade de consumidor especial. 

No entanto, a Portaria Normativa MME nº 50, de 27 de setembro de 2022, passou a permitir a partir de 1º de janeiro de 2024 que os consumidores classificados como Grupo A possam optar pela migração ao Ambiente de Contratação Livre de Energia Elétrica (ACL) sem a necessidade de atendimento a requisito de carga de consumo. 

Com isso, a modelagem de divisão de centrais geradoras em 50 MW para fins de atendimento ao consumidor especial pode ter tido seu uso mitigado pelos empreendedores e comercializadoras, diante de mencionadas flexibilizações normativas.

Processo regulatório na ANEEL após a fiscalização do TCU

Considerando que o prazo concedido pelo TCU para a ANEEL apresentar o plano de ação de regulamentação ainda não alcançou o seu termo final, não há a publicização de conteúdo de teor decisório por parte da Agência Reguladora a respeito do assunto até o presente momento. 

No entanto, sem o prejuízo da abertura de um processo administrativo específico para a deliberação da questão afeta à ação de fiscalização do TCU, é preciso destacar que a temática regulatória da ativação no desconto na TUSD/T tem sido enfrentada no Processo Administrativo nº 48500.001367/2016-10 da ANEEL, cujos desdobramentos serão pormenorizados em nosso próximo artigo.  

Referências: O presente artigo foi elaborado com base nos documentos disponíveis no Processo Administrativo nº 017.027/2022-5, notadamente no Acórdão 2353/2023 – Plenário e no Acórdão 129/2024, disponíveis para acesso no sistema de consulta processual eletrônica do TCU. 

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