TCU determina a suspensão de novos descontos na TUSD/TUST até a regulamentação dos critérios de divisão de usinas de geração centralizada pela ANEEL

Em Sessão Plenária ocorrida em 22/11/2023 o Tribunal de Contas da União (TCU) apreciou representação efetuada pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica (SeinfraElétrica), cujo objeto versou sobre a concessão de subsídios tarifários pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) relacionados ao desconto praticado nas Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição e de Transmissão – TUSD/TUST. 

 

A representação da SeinfraElétrica 

Em síntese, a SeinfraElétrica expôs que a Lei nº 14.120/2021, ao incluir o §1º-C no art. 26 na Lei 9.427/96, previu regras de transição para o fim da percepção do desconto na TUSD/TUST. 

Para as centrais geradoras entrantes na rede elétrica, a manutenção do desconto seria concedida aos empreendimentos que solicitassem outorga até 02 de março de 2022 e que, cumulativamente, iniciassem a operação de todas as suas unidades geradoras no prazo de até 48 meses, contados da data de emissão da outorga. A regra também se aplicaria aos empreendimentos existentes, já beneficiados com o desconto, e que pretendessem ampliar a capacidade instalada de suas centrais geradoras. 

Como pode ser visto nos incisos do art. 26 na Lei 9.427/96, para o grupo das usinas fotovoltaicas, das usinas eólicas e das termelétricas movidas a biomassa ou provenientes de resíduos sólidos e urbanos, seriam elegíveis ao desconto aquelas que contassem com centrais geradoras com potência injetada de até 300 MW. 

O problema identificado estaria consubstanciado no fracionamento das centrais geradoras, cujas potências somadas ultrapassariam o limite legal de 300 MW, o que seria uma prática infracional reiterada no setor elétrico, principalmente de geradores eólicos e fotovoltaicos. 

Assim, uma vez que a regulação da Aneel não possui critérios objetivos para a configuração da divisão do empreendimento de geração em unidades de menor porte com o objetivo de fruição do desconto na TUSD/TUST, o benefício tarifário seria aferido indevidamente por esses projetos, na óptica da SeinfraElétrica. 

Adicionalmente, a SeinfraElétrica ponderou que o problema se agrava à medida que os descontos da TUSD/TUST são concedidos pela Aneel pelo prazo da outorga, preservando o direito do agente gerador em cerca de 35 (trinta e cinco) anos, em que nesses casos de fracionamento de projetos seria um benefício indevidamente usufruído. 

 

A manifestação da Aneel 

Em sua manifestação, a Aneel argumentou que a Lei 9.427/96 não veda o fracionamento de centrais geradoras em unidades de menor porte, inexistindo conceito definido em lei de “empreendimento de geração de fonte incentivada”. Assim, em atenção aos princípios da Lei de Liberdade Econômica, deveria ser respeitada a liberdade do empreendedor de melhor conformar os projetos de geração que visa desenvolver. 

Na perspectiva da Agência Reguladora, já existiria regulamentação fixada para a consideração do empreendimento de geração único, cujas premissas seriam de natureza técnico-operacional e estariam definidas na Resolução Normativa nº 876/2020 (revogada pela Resolução Normativa nº 1.071/2023). 

Assim, o mero fato de as centrais geradoras estarem localizadas em áreas contíguas e/ou possuírem o mesmo controlador não seria elemento suficiente para deflagar um empreendimento como único, cujo desenho foi feito com o intento de burlar os limites para fruição do subsídio. 

A Agência Reguladora questionou também a motivação da representação da SeinfraElétrica, pois a Secretaria lastreou o seu pleito em números de proliferação de projetos renováveis envolvidos no contexto da corrida pelo ouro, ou seja, de outorgas que foram solicitadas e/ou emitidas pela agência reguladora com o objetivo de aproveitar a janela de oportunidade do subsídio. Entretanto, a Agência ponderou que os números não representariam mais a realidade do mercado e que parcela significativa das outorgas não seria implantada. 

Adicionalmente, a Aneel destacou que o conceito de potência para fins de fruição do desconto na TUSD/TUST seria o de potência injetada e não o de potência instalada, motivo pelo qual seriam restritos os casos afetos à prática de fracionamento com o objetivo de usufruir do desconto no fio. 

Com isso, foi explicado que se a usina fotovoltaica possuir em média 25% (vinte e cinco por cento) de fator de capacidade, a projeção da potência injetada será de ¼ da potência instalada da usina. A exemplo, em se considerando um complexo fotovoltaico com 400 MW de potência instalada, com a aplicação desse fator de capacidade, serão raros os momentos em que a potência injetada ultrapassará o limite legal de injeção de 300 MW. 

Além disso, na hipótese de haver a ultrapassagem, a Aneel se manifestou no sentido de que as Regras de Comercialização, aprovadas pela Resolução Normativa nº 1.007/2022, conferem tratamento ao assunto, sendo possível glosar a aplicação do desconto para a parcela excedente injetada em relação ao limite legal. 

Em contrapartida, consultada a CCEE, a Câmera demonstrou que a aferição da potência injetada na medição contábil é feita em intervalos horários, em MWh/h, sendo realizada por central geradora outorgada e não pelo complexo de geração, como se empreendimento único fosse. Nesses termos, caso aferidas as centrais geradores em conjunto, a CCEE identificou casos em que haveria ultrapassagem do limite legal de 300 MW.   

 

A decisão do TCU 

Em deliberação, o TCU entendeu que a prática de fracionamento irregular de projetos seria de conhecimento da Aneel, que só não a coíbe por falta de regulamentação da matéria. Nesses termos, o TCU determinou que: 

1)    A Aneel não conceda descontos na TUSD/TUST para empreendimentos ainda não outorgados, até que sejam fixados critérios regulatórios para coibir a prática de fracionamento irregular de centrais geradoras com o objetivo de usufruir do subsídio tarifário e tornar eficaz o limite de 300 MW de potência injetada, nos termos do art. 26 da Lei 9.427/96; 

2)    A Aneel apresente em até 180 dias plano de ação para o aprimoramento da regulação afeta à concessão do desconto na TUSD/TUST, com vistas a impedir que projetos com fracionamento irregular usufruam indevidamente do subsídio. 

 

Considerações adicionais 

Em nossa perspectiva, merecem destaque os seguintes aspectos regulatóriosdecorrentes da deliberação do TCU: 

 1)             A decisão do TCU poderá impactar projetos já outorgados e/ou em operação comercial: Como relatado no Acórdão 2353/2023, determina-se o estudo da alternativa de regularização da metodologia de aplicação do subsídio, contemplando os empreendimentos já outorgados e/ou operacionais. Para tanto, há manifestação das áreas técnicas consultadas pelo TCU pela possibilidade de fixar potência injetada máxima, proporcional à potência instalada do projeto, para fins de fixação do desconto na TUSD/TUST a ser aplicado à central geradora. 

2)             Há a possibilidade de a regulamentação da matéria afetar descontos concedidos para Centrais Geradoras de Capacidade Reduzida: Como é de conhecimento do setor elétrico, a Lei nº 14.120/2021 não pôs fim ao desconto na TUSD/TUST para centrais geradoras de capacidade reduzida, com potência instalada de até 05 MW. Dessa forma, a regulamentação dos critérios de divisão pode vir a afetar esses empreendimentos, caso haja a conformação de complexo de centrais de geração de capacidade reduzida. 

 3)             Há a possibilidade da distinção da regulamentação aplicável a empreendimentos de micro e/ou minigeração distribuída e aos empreendimentos de geração centralizada: O Acórdão 2353/2023 manifestou-se pela possibilidade de fixação de parâmetros regulamentares diferentes para a configuração da tentativa de divisão de centrais geradoras em unidades de menor porte nos casos que envolvem centrais de micro e/ou minigeração distribuída. Isso porque o §2º do art. 11 da Lei 14.300/2022 possui vedação expressa nesse sentido, vinculada à potência instalada dos empreendimentos, à medida que a Lei 9.427/96 prevê o desconto condicionado à potência de injeção, constituindo lógicas de aplicação do subsídio diferentes entre si. 

 

Nota ao leitor: O presente artigo foi elaborado com base nos documentos disponíveis no Processo Administrativo nº 017.027/2022-5, notadamente no Acórdão 2353/2023 – Plenário, disponível para acesso no sistema de consulta processual eletrônica do TCU. 

Compartilhar:

Share on linkedin
Share on email
Share on whatsapp
Share on print