ANEEL discute ativação do desconto na TUST/D para centrais geradoras
Na 20ª Reunião Pública Ordinária da Diretoria da ANEEL (13/06/2023), houve a abertura da Consulta Pública nº 20/2023, com o objetivo de receber contribuições acerca da revisão da Resolução Normativa nº 1.031/2022, norma que regulamenta os procedimentos vinculados à redução das Tarifas de Uso dos Sistemas Elétricos de Transmissão e Distribuição – TUST/D, incluindo-se no objeto da Consulta os ajustes decorrentes nas Regras de Comercialização da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Após o fechamento do período de contribuições, que foi de 16/06/2023 a 31/07/2023, houve o encaminhamento de 02 (duas) consultas à Procuradoria Federal Adjunta à ANEEL relacionadas ao tema. Primeiramente, através do Memorando nº 103/2023 – SGM/SCE, as áreas técnicas efetuaram questionamentos acerca da ativação do desconto na TUST/D, que foi respondido por meio do Parecer Jurídico nº 00339/2023/PFANEEL/PGF/AGU.
Em síntese, foi fixado o entendimento de que (1) o desconto na TUST/D somente seria ativado após a entrada de todas as unidades geradoras outorgadas em operação comercial, não sendo possível a fixação do desconto de forma escalonada na etapa de motorização do empreendimento (operação em teste) e/ou na hipótese de pagamento do CUSD/CUST anterior à entrada em operação do empreendimento e (2) o prazo fixado na Lei 14.120/21 para a entrada em operação comercial para obtenção do desconto na TUST/D também se aplica aos empreendimentos hidrelétricos, havendo superação do Despacho 147/2021/PFANEEL/PGF/AGU em relação ao tema.
Nesses termos, para os casos em que foi concedido o desconto na fase pré-operacional e/ou de motorização do empreendimento, houve recomendação de analisar a devolução dos valores indevidamente auferidos a título de subsídios na TUST/D, com base na preservação da segurança jurídica e na proteção à confiança legítima dos administrados em entendimento normativo vigente à época. Veja-se:
Parecer nº 00339/2023/PFANEEL/PGF/AGU
115. Sobre esse aspecto, vale repisar que a Lei no14.120/2021 estabeleceu um novo regime jurídico. Por esse regime, como se indicará a seguir, não se admite a incidência do desconto previamente à entrada em operação comercial de todas as unidades geradoras. Se essa era uma prática antes da edição da Lei nº 14.120/2021, deve agora ser extirpada por força dessa Lei.
116. A concessão de eventual desconto antes de aperfeiçoadas as condições legais padecem de vício de legalidade. Todavia, o art. 24 da LINDB dispõe que a eventual reconhecimento de invalidade do ato administrativo “cuja produção já́ se houver completado” tomará em conta “as orientações gerais da época”, conforme in verbis: (…)
117. Orientação similar parece ter sido reconhecida na fundamentação do Acórdão no2.353/2023-TCU-Plenário quando tratou de descontos concedidos sob a égide do regime jurídico anterior para empreendimentos que, conjuntamente considerados, na visão daquela Corte, poderiam ultrapassar o limite legal de potência injetada para fins de redução do valor da tarifa de uso do sistema: (…)
118. Não se deve descurar, no entanto, que se a prática permanece aquela do regime anterior, que não mais subsiste, deve ser extirpada imediatamente. O não cumprimento dos requisitos legais impõe que o desconto deixe de ser operacionalizado para os empreendimentos que não atenderam os requisitos legais ou que ainda estejam em fase de implantação.
119. Penso, todavia, que seria possível, por exemplo, diferenciar situações em que o empreendimento percebeu o desconto na fase inicial de motorização, mas obedeceu ao prazo legal de entrada em operação comercial, já́ estando com o direito consolidado, daqueles que estão percebendo o desconto, mas sequer entraram em operação comercial. Também, seria preciso avaliar se há negócios jurídicos formalizados como resultado do ato normativo derivado da CP no 15/2023. E isso se faria com fundamento nos arts. 20 e 24 da LINDB.
Na sequência, foi encaminhado o Memorando nº 384/2023 – ASD/ANEEL à Procuradoria Federal, proveniente do Gabinete do Diretor Hélvio Neves Guerra, que questionou a possibilidade de reconhecimento de excludente de responsabilidade frente ao atraso na implantação do empreendimento por eventos extraordinário, alheios ao risco ordinário do empreendedor, e que impossibilitem a entrada em operação comercial do projeto no prazo de 48 (quarenta e oito) meses com vistas à obtenção do desconto na TUST/D. O Memorando foi respondido através do Parecer Jurídico nº 00340/2023/PFANEEL/PGF/AGU.
Em linhas gerais, foi argumentado que o art. 19 da Lei n° 13.360/2016, que trata do reconhecimento pela ANEEL de excludente de responsabilidade pelo atraso na implantação de empreendimentos de energia, versa sobre a competência da Agência Reguladora para promover a gestão e a fiscalização das outorgas de geração quanto ao cumprimento de obrigações setoriais.
Dessa forma, os condicionantes para fruição do desconto na TUST/D, estabelecidos pela Lei n° 14.120/21, prefixaram o prazo de 48 (quarenta e oito) meses para a entrada em operação comercial de todas as unidades geradoras outorgadas, de modo que é risco integral do empreendedor o atendimento ao condicionamento legal, não podendo a Agência Reguladora estender tal prazo, mediante o reconhecimento de causas excludentes de responsabilidades, sob pena de sub-rogar no papel do legislador. Leia-se:
Parecer nº 00340/2023/PFANEEL/PGF/AGU
49. Como dissemos, entre as competências que são deferidas à ANEEL no art. 3o da Lei no9.427/96, não está incluída a atribuição para conceder incentivos a produtores de energia custeados pelos consumidores. Outrossim, normas de isenção, como é o caso da redução do valor da TUST/D para geradores incentivos, somente permitem interpretação restritiva. Não cabe à ANEEL realizar uma interpretação extensiva para permitir que interessados na obtenção do benefício e que não atenderam os requisitos legais para a sua concessão possam usufruir de um direito que não adquiriram.
50. A discussão, no caso, se refere à aquisição de um direito, sob a perspectiva de novo regime jurídico fixado em lei. Em nada se relaciona a eventual obrigação de fazer definida no ato de outorga. A aquisição do direito ao desconto depende do preenchimento dos requisitos legais. É algo completamente independente das obrigações e eventuais prerrogativas definidas na outorga, na medida em que esses critérios, requisitos ou diretrizes legais não tem natureza de uma obrigação, mas de condições legais para a que a tarifa seja paga em valor reduzido.
51. A avaliação quanto à (im)possibilidade de reconhecimento de excludente de responsabilidade, na hipótese, deve ser coerente com a premissa segundo a qual, somente se atendidas condições legais, o produtor poderá́ usufruir do desconto na tarifa de uso do sistema. Nesse ponto, pode-se remeter à racionalidade dos exemplos citados nos §§ 134 e 135 do Parecer no339/2023. A lógica jurídica que se aplica na hipótese ora analisada é a mesma lógica subjacente a esses exemplos.
Em 22/03/2024 foi juntada a Nota Técnica nº 55/2024 – SGM – SCE/ANEEL ao Processo Administrativo, com a proposta de redação da minuta da Resolução Normativa. Abaixo, seguem abaixo os principais dispositivos trazidos na minuta da Resolução Normativa:
1) Para empreendimentos de fonte solar, eólica, biomassa e cogeração qualificada com potência de até 300 MW, o desconto na TUST/D será ativado para empreendimentos que (i) solicitaram a outorga de autorização conforme regulamentação da ANEEL entre 01/09/2020 e 02/03/2022 e (ii) iniciarem a operação comercial de todas as unidades geradoras no prazo de 48 (quarenta e oito) meses, contados da data da outorga.
Os descontos na TUST/D só serão aplicados após o cumprimento cumulativo dos condicionantes. Os mesmos critérios são aplicáveis a empreendimentos hidrelétricos com potência instalada superior a 5 MW ou inferior/ igual a 50 MW.
2) Para novos empreendimentos hidrelétricos com potência instalada de até 30 MW, o desconto na TUST/D será mantido em 50% para as centrais geradoras que solicitaram outorga entre 03/03/2022 e 02/03/2027 e em 25% para centrais geradoras que solicitaram outorga entre 03/03/2027 e 02/03/2032.
3) Não serão admitidos pleitos de reconhecimento de excludente de responsabilidade no atraso para entrada em operação comercial das centrais geradoras no prazo de 48 (quarenta e oito) meses com vistas à fruição do desconto na TUST/D.
4) Foi prevista a vedação da divisão de central geradora em centrais de menor porte com o objetivo de enquadramento nos limites de aplicação dos percentuais de redução da TUST/D, previsão que também será aplicável às centrais geradoras de capacidade reduzida.
5) Para a adequação da operacionalização das Regras de Comercialização quanto ao Sistema de Contabilização e Liquidação (SCL), poderá ser utilizado provisoriamente o Mecanismo Auxiliar de Cálculo (MAC). A CCEE ficará autorizada a reapurar a aplicação do desconto na TUST/D em razão da diferença das metodologias de ativação do desconto, considerando as datas de vigência da Medida Provisória nº 998/2020 e a Lei 14.120/2021.
Nesses termos, faz-se importante tecer considerações adicionais acerca da formação do entendimento jurídico-regulatório aplicado na Nota Técnica nº 55/2024 – SGM – SCE/ANEEL.
1. Vedação à divisão de central geradora em centrais de menor porte para se enquadrar nos limites de aplicação dos percentuais de redução tarifária na TUST/D e afetação das regras de divisão às centrais geradoras de capacidade reduzida
De acordo com artigo publicado em 1º/04/2024 (link), foi elucidado que por meio dos Acórdãos 2353/2023 e 129/2024, o Tribunal de Contas da União – TCU havia determinado que a ANEEL no prazo de 180 (cento e oitenta) dias apresentasse plano de ação para o aprimoramento da regulamentação afeta à concessão de redução na TUST/D de forma que:
(i) Apenas os empreendimentos com até 300 MW de potência injetada tenham o direito à fruição do desconto; e
(ii) Haja o impedimento à fruição do desconto para empreendimentos únicos com configuração de fracionamento e/ou divisão cujo intuito seja ultrapassar os limites legais.
Entretanto, foi destacado que em relação aos empreendimentos já autorizados e com subsídios tarifários vigentes, o TCU recomendou que a ANEEL considerasse em seu plano de ação os estudos de impactos da correção de irregularidades, podendo ser justificados a manutenção dos descontos concedidos e operacionalizados, em atenção ao art. 20 da LINDB.
Assim, a proposta de minuta de Resolução Normativa veiculada na Nota Técnica nº 55/2024 – SGM – SCE/ANEEL quanto à previsão da vedação de divisão de central geradora em centrais de menor porte com o objetivo de enquadramento nos limites de aplicação dos percentuais de redução da TUST/D desafia a segurança jurídica e a modulação das consequências práticas de uma previsão normativa, que se faz em branco.
Em outros termos, sem a fixação dos critérios objetivos do que viria a configurar a tentativa de divisão de central geradora com fins de fruição de subsídio tarifário, expõe-se a regulação à fragilidade de não haver a devida clareza quanto ao comportamento empresarial vedado pela norma, pois não se pode infringir aquilo a que se desconhece como infração.
Além disso, deve ser avaliada a pertinência de serem explorados quesitos subjetivos na norma, haja visto que o fato de as unidades geradoras estarem fisicamente em uma mesma localidade não implica na afetação dos empreendimentos a um mesmo destinatário, podendo tal configuração refletir em uma eficientização na alocação de recursos quanto à estruturação do acesso do projeto à rede elétrica, a exemplo.
Ademais, deve-se destacar que a aplicação do dispositivo normativo, caso aprovado, pode alcançar centrais geradoras de capacidade reduzida, que são os empreendimentos sujeitos a registro e que contam com até 05 MW de potência instalada.
2. Ativação do desconto na TUST/D condicionado à entrada da operação comercial de todas as unidades geradoras outorgadas e ausência de reconhecimento de excludente de responsabilidade no atraso para o início da operação comercial do empreendimento em 48 (quarenta e oito) meses
A ativação do desconto na TUST/D após a entrada em operação comercial de todas as unidades geradoras outorgadas desafia os limites interpretativos da Lei n° 14.120/21. Isso porque a inclusão do §1º – C promovido no art. 26 da Lei n° 9.427/96 trata do condicionante para fruição do desconto em relação ao início de operação de todas as unidades geradoras outorgadas, entretanto, não há clara distinção quanto à operação em teste ou comercial do empreendimento.
Além disso, a despeito de discussões sobre a competência da ANEEL, o reconhecimento de excludente de responsabilidade nos atrasos alheios à álea ordinária do gerador e que lhe impeçam de iniciar a operação no prazo de 48 (quarenta e oito) meses, a contar da data de emissão das outorgas de autorização, deve ser visto consoante condição suspensiva e/ou interruptiva de seu curso, enquanto durar o evento extraordinário.
Ainda que se argumente que inexiste direito adquirido à regime jurídico, no caso do reconhecimento de excludente de responsabilidade, se versaria sobre o caso fortuito e/ou de força maior impeditivo, e não gerenciável no risco ordinário do empreendedor, para percorrer o prazo legal e usufruir do direito que lhe é legitimamente esperado.
Por fim, destaca-se que encerrada a instrução da Consulta Pública nº 20/2023, deve haver a solicitação de inclusão do processo em pauta de julgamento para deliberação e aprovação da Resolução Normativa pela Diretoria Colegiada da ANEEL, inexistindo prazo normativo prefixado para a conclusão de mencionada fase processual.
Referências: O presente artigo foi elaborado com base nos documentos disponíveis no Processo Administrativo nº 48500.001367/2016-10, com destaque para o Parecer nº 00339/2023/PFANEEL/PGF/AGU, o Parecer nº 00340/2023/PFANEEL/PGF/AGU e a Nota Técnica nº 55/2024 – SGM – SCE/ANEEL (Doc. Sic. ANEEL 48550.000665/2024-00), datada em 22/03/2024.