Diretoria da ANEEL concede Medida Cautelar em caso de divisão de centrais de minigeração distribuída

Na 42ª Reunião de Diretoria (14/11), a ANEEL havia iniciado o julgamento de Pedido de Medida Cautelar apresentado por consumidores, solicitantes de acesso de minigeração distribuída, cujos Orçamentos de Conexão (Pareceres de Acesso) foram cancelados pela Enel Distribuição Rio (“ENEL RJ”) por suposta violação ao art. 655-E da Resolução Normativa nº 1.000/2021, que proíbe a divisão de centrais geradoras em unidades de menor porte para o fim de configurar o enquadramento em micro e/ou minigeração distribuída. 

Após debates em mesa, a Diretora Agnes Nunes solicitou vistas ao processo, tendo apresentado voto divergente do Diretor-Relator Fernando Mosna. Com isso, o processo administrativo retornou à pauta de julgamento da 45ª Reunião da Diretoria que ocorreu na última terça-feira, dia 05/12/2023. 

Em que pese a divergência, seguida pelo Diretor Sandoval Feitosa, a Medida Cautelar foi concedida por maioria, tendo em vista a concordância dos Diretores Ricardo Lavorato Tili e Hélvio Neves Guerra ao Voto condutor proferido pelo Diretor-Relator na 42ª Reunião da Diretoria. 

Considerando a relevância do assunto, elaboramos um informe que resume os aspectos discutidos no julgamento. 

 

O caso 

O Requerimento Administrativo, que se encontra sob instrução das Superintendências Técnicas da ANEEL, expôs que determinado projetista assessorou a solicitação de acesso de 08 (oito) projetos de centrais de minigeração fotovoltaica, cada qual com a potência instalada de 2,5 MW. 

Os projetos são intitulados por 04 (quatro) pessoas físicas diferentes, totalizando 05 MW por cada solicitante de acesso. Com isso, as centrais geradoras somam 20 MW em áreas contíguas, localizadas entre os municípios de Araruama/RJ e Iguaba Grande/RJ. 

A configuração apresentada está colacionada abaixo e foi apresentada em Reunião: 

Créditos: Apresentação feita no Julgamento do item 7 da 42 RPO – ANEEL

O cancelamento dos Orçamentos de Conexão (Pareceres de Acesso)

Após o deferimento das condições de acesso dos 08 (oito) projetos, a ENEL RJ procedeu com o cancelamento dos Orçamentos de Conexão (Pareceres de Acesso), sob a alegação de que a configuração dos projetos configuraria tentativa de divisão de central geradora em unidades de menor porte para o fim de enquadramento nos limites de minigeração distribuída, o que seria vedado pelo art. 655-E da Resolução Normativa nº 1.000/2021:

Resolução Normativa nº 1.000/2021

Art. 655-E. É vedada a divisão de central geradora em unidades de menor porte para se enquadrar nos limites de potência instalada da microgeração ou minigeração distribuída. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)

§ 1º A distribuidora é responsável por identificar casos de divisão de central geradora que descumpram o disposto no caput, podendo solicitar informações adicionais para verificação, o que não suspende os prazos dispostos nesta Resolução. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)

Para o desenquadramento dos projetos, a ENEL RJ considerou que a soma da potência instalada dos projetos em áreas contíguas seria de 20 MW, enquanto o limite para a configuração de central de minigeração distribuída seria de 05 MW, o que impossibilitaria a conexão das centrais e a consequente adesão ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica – SCEE.

A defesa

O pedido de Medida Cautelar visa, portanto, a declaração de nulidade dos cancelamentos dos Orçamentos de Conexão (Pareceres de Acesso) realizados pela ENEL RJ até que seja apreciado o mérito do Requerimento Administrativo pela ANEEL.

Em sede de defesa, os solicitantes de acesso argumentaram que cancelamento foi indevido, pois os titulares das centrais geradoras são distintos e não possuem qualquer vínculo entre si.

Além disso, a configuração dos projetos de outra forma restaria dificultada em razão da Distribuidora não disponibilizar informações acerca da margem de escoamento disponível, sendo natural que as solicitações de acesso se concentrem nas regiões próximas as subestações.

 

O Voto condutor do Diretor-Relator

Na 42ª Reunião da Diretoria, o Voto do Diretor-Relator Fernando Mosna foi proferido no sentido de que estavam presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida pretendida.

De acordo com o que foi apresentado na sessão de julgamento, a questão trazida à apreciação estaria circunscrita à inexistência de critérios objetivos na regulamentação aplicável à micro e/ou minigeração distribuída para o fim de caracterização de tentativa de divisão irregular de centrais geradoras em unidades de menor porte.

Na oportunidade, o Diretor-Relator ressaltou que critérios semelhantes aos adotados pela Enel RJ para cancelar os Orçamentos de Conexão em questão foram propostos no âmbito do processo de edição da Resolução Normativa nº 1.059/2023, mas não incorporaram a regulamentação final visto que as áreas técnicas concluíram que estes não eram suficientemente robustos para evitar e/ou subsidiar a fiscalização das tentativas de divisão.

Nesse sentido, foi exposto que a análise do enquadramento depende da avaliação minuciosa das particularidades do caso concreto, o que ainda não foi possível no atual estágio processual, de modo que as sanções previstas no art. 655-E não poderiam ser aplicadas imediatamente.

 

O Voto divergente

Por outro lado, no Voto divergente, a Diretora Agnes Nunes entendeu pelo indeferimento da Medida Cautelar, posto que não estaria caracterizada a probabilidade do direito, na medida em que a análise do caso concreto efetuada pela ENEL RJ apontaria para a divisão irregular, o que é vedado por Lei.

Segundo a Diretora estaria caracterizada a vedação prevista no art. 11, §2º da Lei nº 14.300/2022, já que: (i) o projetista que protocolou as oito solicitações de acesso é o mesmo; (ii) no contrato de arrendamento, apesar de trazer uma cláusula esclarecendo que o arrendamento foi feito para cada um dos titulares com base em R$/m², a área arrendada é a exata quantia para dividir a área total do arrendante de forma a separar a quantidade total de placas em uma parcela que totaliza os 2,5 MW; (iii) os oitos processos possuem o mesmo representante legal e; (iv) o arrendante é o mesmo.

 

O posicionamento da Procuradoria Federal

A Diretoria Agnes Nunes, visando validar a inexistência da fumaça do bom direito, solicitou posicionamento da Procuradoria Federal adjunta à ANEEL.

Em Nota, a Procuradoria Federal concluiu não restar caracterizada a probabilidade do direito para atendimento do pleito em sede de cautelar, vez que nos termos da regulamentação aprovada pela própria Agência, é competência delegada da Distribuidora identificar a tentativa de divisão irregular, sendo a hipótese do caso concreto a mera aplicação da norma pela Enel RJ.

Já em relação às alegações apresentadas pelos agentes de que a conduta da Enel RJ configuraria abuso de poder econômico, vez que teria o objetivo de “prejudicar competidor direto de seu mercado de distribuição”, prática coibida pela regulamentação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, a Procuradoria afirmou, ipsis litteris:

“Como dito pelas interessadas, é o CADE, e não a ANEEL, quem tem competência para avaliar e punir a ocorrência de abuso de poder econômico”.

Sustentação oral da ABRADEE

Em continuação do julgamento, na 45ª Reunião de Diretoria, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE apresentou sustentação oral pleiteando o indeferimento da Medida Cautelar, tendo arguido a inexistência da probabilidade do direito, vez que restava evidente a caracterização da tentativa irregular de divisão das centrais geradoras com minigeração distribuída.

 

O Julgamento

Após a leitura do Voto divergente e iniciadas as discussões em mesa, o Diretor-Relator Fernando Mosna reiterou seu entendimento de que os fundamentos que corroboram à concessão da cautelar são restritos à ausência de critérios objetivos para a configuração da divisão vedada por Lei o que, por si, afastaria a discussão das questões de mérito, que serão analisadas oportunamente de forma minuciosa em sede de Requerimento Administrativo. 

Na ocasião, mencionou, por analogia, o processo administrativo que culminou no Acórdão do Tribunal de Contas da União que trata sobre o fracionamento artificial de projetos para fins de aferir subsídios tarifários. De acordo com o Diretor-Relator, a manifestação da ANEEL no processo da Corte de Contas afirma que o fato de existirem usinas contíguas de um mesmo controlador não as torna um empreendimento único, motivo pelo qual não poderia ser aplicada pela Agência uma lógica assimétrica nos casos de micro e minigeração distribuída.

Por fim, ressaltou que o Memorando nº 276/2023-SMA/ANEEL, utilizado como fundamento de “manifestação técnica” pelo Voto divergente da Diretoria Agnes Nunes e pela sustentação oral da ABRADEE, é claro ao esclarecer que “a resposta emitida nesse nível de tratamento não possui caráter decisório, consubstanciadas apenas como instrumentos orientativos”, o que evidenciaria a impossibilidade de afastar a fumaça do bom direito sob a alegação de que as áreas técnicas da ANEEL já haviam concluído pela divisão irregular das centrais geradoras.

Em contraponto, complementando as disposições do Voto Divergente, a Diretora Agnes Nunes salientou que a ANEEL, enquanto agência reguladora, optou por delegar a competência da identificação dos casos de divisão de central geradora de micro e minigeração distribuída para as Distribuidoras, o que diferenciaria a questão do tema afeto ao Acórdão proferido pela Corte de Contas, que trata das usinas centralizadas cuja análise de desmembramento é competência da ANEEL.

No mesmo sentido, o Diretor-Geral Sandoval Feitosa Neto se posicionou entendendo estar evidenciada a tentativa de divisão, sendo a apreciação do caso pela Distribuidora e pela área técnica da ANEEL o bastante para encerrar a análise de casos dessa natureza, tendo em vista a delegação da competência do julgamento dos casos de divisão de central geradora com micro e minigeração distribuída para as concessionárias de distribuição.

Já os Diretores Hélvio Neves Guerra e Ricardo Lavorato Tili corroboraram ao entendimento do Diretor-Relator, tendo ambos se manifestado no sentido de que a ausência de critérios objetivos pela regulamentação setorial indica a necessidade de uma análise dos casos concretos para fins de enquadramento na vedação prevista na Lei nº 14.300/2022 e na Resolução Normativa nº 1.059/2023, o que justificaria a concessão da Medida Cautelar para suspender o cancelamento dos Orçamentos de Conexão até a apreciação do Requerimento Administrativo.

Sendo assim, em votação, a Diretoria Colegiada da ANEEL deferiu, por maioria, a concessão da Medida Cautelar para suspender os efeitos dos cancelamentos dos Orçamentos de Conexão realizados pela Enel Distribuição Rio até o julgamento definitivo do pedido de anulação do cancelamento dos referidos Orçamentos de Conexão com base no Voto condutor do Diretor-Relator Fernando Mosna.

 

Nota ao leitor: O presente artigo foi baseado na Sessão de Julgamento da 45ª Reunião de Diretoria da ANEEL, transmitida via YouTube e nos documentos disponibilizados nos autos do Processo Administrativo nº 48500.004437/2023-11. 



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